A dinâmica de grupo

É por causa destas coisas que eu, às vezes, me sinto tão sozinho!!!
Nos últimos dias instalou-se uma certa dinâmica de grupo no meu círculo mais restrito de Amigos.
A pretexto de que os pulmões são orgãos a conservar, de que os corações merecem ser bem tratados, que o paladar é um território a recuperar, deu-lhes um frenesim de interrupção do vício do tabaco.
Eu que, por razões que se perdem nos tempos remotos da minha infância, nunca me deixei convencer pelo inspirar e expirar dos fumos do cigarro, sinto-me excluído.
O tema das conversas é a conquista de cada dia que passa sem a passa no cigarro.
A discussão gira invariavelmente em torno da resistência mais ou menos dolorosa às pulsões agora controladas das suas mentes outrora aprisionadas.

Eu consigo ver prazeres libidinosos nestes jogos de privação... e sinto-me triste.
Imagino-me à porta do mais quente dos infernos sem poder entrar...

E é por isso que tomei uma decisão dolorosa. Estou a pensar seriamente em começar a fumar.
Começar mesmo pelo princípio. Pelas náuseas da primeira vez! Pela boca seca.

Amanhã vou ser um homenzinho e vou fumar a minha primeira beata...
É verdade que perdi muito tempo precioso. Já não tem graça esconder o vício dos meus pais.
Já posso chegar a casa a cheirar a tabaco. Já posso deixar amarelecer os dedos sem medo dos castigos mais severos.
Já tenho recursos para pagar ao dentista o branqueamento dos dentes (da placa e tudo).

Agora, só há uma coisa que tem muito mais graça!
É proibido em toda a parte. Já não se pode fumar nos restaurantes... não se pode fumar nos aviões e aeroportos... e, ouvi dizer, nem se poderá fumar nos jardins públicos.
Com jeitinho... acho que ainda consigo ir preso por desobediência civil.

Amanhã vou adoptar uma postura mais à macho.
Vou cravar o meu primeiro cigarro!

Depois, vou ter que acelerar no consumo. Estou a pensar numa média de 10 maços/dia para recuperar o tempo perdido e ainda ir a tempo da terapia de grupo.

Não há nada pior que estar sozinho. E estou-me a sentir muito isolado.
Estou tão envolvido neste meu novo projecto que já sinto uma imensa vontade de deixar de fumar.
É que este meu novo vício está-me a dar cabo da saúde.
E tenho que me apressar a colocar os pensos, a levar choques nas orelhas ou a deixar espetar umas agulhas nas zonas mais sensíveis... pois tenho muito medo da exclusão.

E, enquanto não tomo a decisão dolorosa de acabar com o vício, vou até ao fundo dos Infernos fumar como um sapo.
Aqui, para já, ainda podemos dar cabo dos pulmões sem olhares recriminatórios!